Interessante explicação sobre o surgimento do mundo e do homem…
Este texto foi elaborado a partir da leitura pessoal do Livro “Questões sobre o Gênesis”, obra do teólogo Fílon, de Alexandria, traduzido para o português por Guilherme Ferreira Araújo, do título original De Opificio Mundi, e publicado pela Editora Filocalia (2015).
Deste livro há, entre outras traduções, uma obra inglesa que foi elaborada a partir de antiga tradução armênia, cujos originais gregos se perderam. O texto em inglês está na internet e é de domínio público.
A ideia é compartilhar neste nosso espaço as minhas próprias impressões da leitura que fiz desta obra específica.
Para não tornar a leitura do post cansativa, nos propomos a dividir em capítulos…
Capítulo 1 – Um pouco de História
Fílon nasceu em Alexandria, no Egito, e viveu entre os séculos 10 a.C a 50 d.C. Na internet encontra-se a informação de que seu nome de nascimento pode ter sido Julius Philo, sendo de família judia rica e influente. Há relatos de que na família de Fílon mantinha vínculos com o sacerdócio na Judéia, mas também com uma dinastia em Roma. Teve educação completa, com influência das culturas helenística (oriunda da Grécia e praticada também em Roma), egípcia (Alexandria) e hebraica.
Sobre a sua biografia, sabe-se muito pouco, assim como há controvérsias e versões sobre a linha que seguiu para produzir seus estudos e sua obra. Há quem o considere filósofo puro, meditativo fora do seu tempo e estudioso do judaísmo ideal, sendo considerado um “filósofo do judaísmo helênico”. Estima-se que possuía conhecimento de direito penal, matrimonial e de sucessão, todos com fundamento no Judaísmo. Passou para a história ocidental como teólogo.
É provável que tenha sido contemporâneo do Jesus de Nazaré histórico e seus apóstolos, mas não há registros documentais que o comprovem. O único evento da vida de Fílon de Alexandria que pode ser precisamente datado foi sua participação uma visita oficial à embaixada Romana, em 40 d.C., quando representou os Judeus Alexandrinos em uma delegação a respeito dos conflitos civis entre os judeus e a comunidade grega. Era a época do imperador Calígula.
A história desse evento e outros detalhes biográficos, são encontrados na obra do historiador judeu, Flavius Josephus e nos trabalhos do próprio Fílon, principalmente em Legatio ad Gaium. Desta última obra, apenas dois dos cinco volumes originais chegaram aos nossos dias.
Da cultura helenística, Fílon herdou a terminologia científica e os conceitos. Essa é época do materialismo: descarta-se o transcendente e a realidade se restringe ao que é corpóreo. Em seus estudos, Fílon se propõe a resgatar o incorpóreo e o transcendente, inspirando-se em Platão e Aristóteles.
A sua doutrina apresenta ainda outro aspecto de contraposição à cultura da Grécia: relaciona-se a Deus, invocando sempre revelação divina, o que para os gregos não era possível. O embasamento deste outro lado da sua doutrina, Fílon herdou do Judaísmo, especialmente da Revelação antiga (Antigo Testamento).
Dedicou-se ao estudo da Teologia e produziu numerosas obras, distribuídas entre os seguintes temas: comentário ao Gênesis; exposição da lei mosaica (de Moisés); exegese e/ou catequese bíblica; filosofia; atividades políticas ou exercidas em ambiente hebraico.
Seu estudo teológico majoritário foi sobre o Pentateuco (a coleção dos cinco primeiros livros do Velho Testamento (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio ) ou “a Lei” (Torah em hebraico e Nómos, em grego), como ele mesmo escreveu. Interessante registrar que o Antigo Testamento a que se dedicou Fílon não é o original hebraico, mas uma versão grega, intitulada Septuaginta.
Considerava Moisés o maior dos profetas e o maior dos filósofos. Fílon afirmava que foi partir de Moisés que se fundaram as principais filosofias na Grécia antiga.
Para ele, o próprio Deus “inspirou” a escolha das palavras gregas para a tradução da Septuaginta para o grego, de modo que os que a executaram não podiam ser chamados “tradutores”, mas “hierofantes” ou “profetas”. O próprio Fílon se considerava um hierofante.
Hierofante é um termo usado para designar os sacerdotes da alta hierarquia dos mistérios da Grécia e do Egito. É o sacerdote supremo, que pode ser chamado também de Sumo Sacerdote. De acordo com o Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, pode significar: (i) Sacerdote de Elêusis, na Grécia antiga, a quem cabia a iniciação dos neófitos e a interpretação dos mistérios e coisas sagradas; (ii) Indivíduo que se intitula conhecedor de ciências ocultas.
Fílon entendia que os textos bíblicos não deveriam ser compreendido apenas a partir do sentido literal das palavras, havendo uma mensagem divina quando se buscava um sentido mais profundo. Ao explorar o aspecto mais divino dos textos, utilizava-se do alegorismo para encontrar e explicar o significado oculto sob as figuras, os atos e os acontecimentos narrados.
O alegorismo é um método de interpretação usado tanto por pagãos – como as mitologias enquanto conjuntos de símbolos de verdades “físico-teológicas” -, quanto pelos judeus – as exegeses alegóricas das Escrituras nos círculos judaicos, feitas por homens “inspirados” que interpretavam o conteúdo da Bíblia como “símbolos exprimíveis de realidades inefáveis”.
Fílon considerava-se divinamente inspirado por fazer a interpretação alegórica das Escrituras.
Segundo ele, a comunidade palestina dos essênios meditava sobre as Escrituras por meio de símbolos, assim como os terapeutas faziam uma constante interpretação alegórica das palavras sagradas.
O uso de alegorias nos estudos de Fílon não significa que não aceitasse a letra da Bíblia. Ocorre que para ele, o sentido literal está num plano inferior à interpretação alegórica, uma vez que esta pode alcançar a própria alma da mensagem. Mas tanto o sentido literal quanto o sentido mais profundo são ambos revelações divinas.
Essa questão do alegorismo como método de interpretação e de entendimento da Bíblia perdeu a importância no âmbito do Catolicismo, quando Tomás de Aquino definiu que “o autor das Sagradas Escrituras é Deus”. Desse modo, não havia lugar para interpretações. Substitui-se assim, de certa forma, o alegorismo pelo “literalismo”.
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