Capítulo 7 – A Mulher e o seu papel na Criação

AutococonhecimentoCapítulo 7 – A Mulher e o seu papel na Criação

Capítulo 7 – A Mulher e o seu papel na Criação

A Bíblia oficial dos dias atuais, após ter sofrido muitas e muitas interpretações e alterações notadamente por parte do Catolicismo ocidental, retrata o homem como tendo sido feito à imagem e semelhança de Deus.
A mulher, porém, é descrita como parte do homem, originada de uma de suas costelas…
Fílon de Alexandria estudou e interpretou todas essas passagens do livro do Gênesis como sendo alegorias.
Por isso talvez, que a explicação que oferece para o “surgimento” da mulher seja tão interessante.
Ele começa afirmando que a mulher é “metade do todo”, sendo igual ao homem para, juntos, numa relação harmônica, formarem o gênero que se chama homem.
Mas sua exegese contém ainda muito mais elementos que nos levam a reflexões mais profundas sobre tais alegorias…
Reproduzimos, a seguir, as perguntas e respostas do livro “Questões sobre o Gênesis”, da parte em que esse tema específico é abordado:

“(Gn 2,18): Por que as Escrituras dizem: “Não é bom que o homem esteja só; façamos-lhe um adjutório semelhante a ele”?
Estas palavras se referem à parceria, e esta não com todas as pessoas, mas com as que desejam ajudar e produzir benefício mútuo mesmo quando não tenham condições de fazê-lo. Pois o amor é um reforço do caráter, não mais por proveito que pela união e pela concórdia, de modo que a todos os que se juntam na parceria do amor pode aplicar-se o dito de Pitágoras: “O amado é de fato outro eu.

(Gn 2, 20) Qual o sentido das palavras “mas não se achava para Adão adjutório semelhante a ele”?
Cooperaram com o fundador da humanidade e ajudaram-no todas as coisas, como a terra, os rios, o mar, o ar, e a luz e o céu. Também cooperaram todas as espécies de frutas e de plantas e os rebanhos. E os animais selvagens não eram ferozes com ele. Todavia, nenhum desses eram, em todo caso, um ajudante como ele mesmo, uma vez que não eram humanos. Portanto, as Escrituras mostram um homem como socorredor e cooperador de outro homem, e mostram assim sua completa semelhança em corpo e alma.

(Gn 2, 21-22) O que é a costela que Ele tirou do homem terrestre? E por que Ele formou da costela uma mulher?
O sentido literal é claro. Pois por claro uso simbólico de “parte” [costela] ela é chamada metade do todo, já que ambos, homem e mulher, sendo partes da Natureza, se tornam iguais numa harmonia de gênero que se chama homem. Mas em sentido figurativo o homem é um símbolo do intelecto, e sua costela é uma única faculdade da percepção. E a percepção de uma razão muito instável é simbolizada pela mulher. Alguns falam da costela como perícia e força, donde chamarem homem vigoroso a um atleta lutador de costelas fortes. Conforme a isso, o legislador afirma que a mulher foi feita da costela do homem, sugerindo que a mulher é metade do corpo do homem. Disso nós também temos evidências na constituição do corpo, em suas partes comuns, em seus movimentos, em suas faculdades, em seu vigor mental e em sua excelência. Pois todas as coisas se veem como se estivessem em dupla proporção (…)”.

Segundo Fílon, “a união harmoniosa do homem e da mulher e sua consumação são figurativamente uma casa. E todo o que não tem mulher é imperfeito e sem lar. (…) A falta dela [da mulher, em sentido literal, e da casa, em sentido figurado] é a ruína (…)”.
E acrescenta:
“Quando, porém, as Escrituras afirmam que os dois são uma só carne, indicam algo muito tangível e muito perceptível: que eles podem sentir as mesmas coisas e regozijar-se e afligir-se por elas, e, muito mais, podem pensar as mesmas coisas.
Para o teólogo de Alexandria, até mesmo a escolha do nome “Eva” para definir a primeira mulher é uma alegoria, pois Eva representa a percepção, em termos metafóricos:
“(…) pois não é a percepção, que simbolicamente é a mulher, justamente chamada Vida? Sim, porque o vivente se distingue do não vivente pela percepção, mediante a qual nos chegam as impressões e os impulsos, uma vez que a percepção é sua causa. E em verdade a percepção é a mãe de todas as coisas viventes; assim como nada nasce sem uma mãe, assim tampouco há nenhuma criatura vivente destituída de percepção”.
Na obra de Fílon, o “homem” está relacionado ao intelecto e a “mulher” está vinculada à percepção, de modo que há uma interdependência entre eles que os tornam um só:
“(…) Em sentido alegórico, todavia, a mulher é o símbolo da percepção, e o homem do intelecto. Ora, a percepção entra inevitavelmente em contato com o sensível; e as coisas passam para o intelecto mediante a participação da percepção; pois a percepção é movida pelos objetos, enquanto o intelecto é movido pela percepção (aparecimento simultâneo: a percepção sensível é recebida dos objetos, e o intelecto é afetado pela percepção sensível).
Já a serpente que aparece no livro do Gênesis, que persuade a mulher à comer do fruto proibido, o téologo entende que representa alegoricamente os desejos:
“Uma vez que a serpente é símbolo do desejo, ela toma a forma dos amantes do prazer, pois rasteja com o peito e com o abdome, empanzinada de comida e de bebida, e tem o desejo insaciável de um glutão, assim como é imoderada e desenfreada ao comer carne. E tudo quanto tem que ver com comida é inteiramente terreno; razão por que se diz que ela come terra. E o desejo tem inimizada natural com a percepção, à qual as Escrituras chamam simbolicamente mulher”.
Ao unir as representações alegóricas da mulher, do homem e da serpente, Fílon esclarece o quanto os nossos sentidos físicos podem provocar em nós um mundo de ilusão:
“(…) de acordo com o sentido mais profundo, o objeto da percepção sensível engana e ilude os sentidos particulares do ente imperfeito a que se apresenta; e a percepção sensível, já infectada por seu objeto, passa a infecção ao elemento soberano e prevalente. Então, o intelecto recebe da percepção, a doadora, o que esta sofreu. E a percepção é enganada e iludida pelo objeto sensível; mas nem os sentidos de um homem sábio nem as considerações de seu intelecto são enganados”.

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Colaboradora e pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas Biofísicas (CEPP), com formação acadêmica em Comunicação Social e em Filosofia, ambas pela Universidade Federal da Paraíba.

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